
O ano de 1929 foi provavelmente um dos mais importantes do século XX. A gente já conhece a história: no dia 24 de outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova York quebra, desencadeando uma crise global que durou toda a década seguinte e abriu caminho para a Segunda Guerra Mundial.
O que a gente não conhece tanto, são as histórias e as vidas de pontos de vista diferentes do norte-americano para esse evento. É aí que entra a série alemã Babylon Berlin, já caminhando para sua terceira temporada, ainda antes de retratar a fatídica Quinta-feira Negra.
A série se desenrola nos loucos anos 20 da República de Weimar alemã, também conhecido como Golden Twenties. Contrariando a visão que muitos temos do período que antecedeu o nazismo, essa não foi exatamente uma década de dolorosa crise econômica, após a humilhação imposta pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial por meio do Tratado de Versalhes. Aliás, foi, mas não apenas isso.
E é nas contradições dessa década, na progressista democracia que quase foi comunista, mas acabou fascista, que a série segue a missão do Inspetor Gereon Rath e a escrivã Charlotte Ritter.
Veterano da Primeira Guerra Mundial e sofrendo de estresse pós-traumático, Rath é policial na cidade de Colônia até ser enviado a Berlim para investigar um misterioso caso delegado à Polícia de Costumes envolvendo um importante político. Paralelamente, acompanhamos a vida de Ritter, uma jovem humilde que sonha em ser a primeira detetive da Polícia de Berlim e vive de pequenos bicos, de dia, como escrivã, à noite, como prostituta.
É baseado numa série de livros de mesmo nome de Volker Kutscher, cujo primeiro volume deu origem às duas primeiras temporadas. Nas telinhas, o resultado foi um film noir que encontrou um ponto de equilíbrio com o drama político e ecoa o protagonismo dividido entre um casal que nutre um afeto platônico, mas não romântico, consagrado por Mad Men. A direção fica por conta de Tom Tykwer, diretor conhecido pelos filmes Corra, Lola, Corra e Perfume: A história de um assassino.
Precisa de mais motivos para se convencer a assistir essa que é a série mais cara já produzida no país do chucrute — e no mundo, excetuando as de língua inglesa? Eu trago mais 5.
1. Ambientação fora de série
Todo esse orçamento generoso — as duas temporadas produzidas até agora custaram 40 milhões de dólares — é visível na direção de arte do seriado.
Os figurinos são deslumbrantes, a Berlim dos anos 20 é magnífica e vale até comparações com fotos da época. Além disso, existem momentos em que você se sente realmente fascinado por estar visitando, mesmo que através da tela da TV, alguns cenários.
É o caso do cabaré Moka Efti — que é praticamente um personagem da série, com sua arquitetura Art Decó, decoração, pratos e drinks conceituais, apresentações de jazz e passos de Charleston dos sofisticados e libertinos frequentadores.

Outras cenas, são impressionantes pela escala. Como toda a movimentação durante e após o 1 de Maio de 1929 que acabou se tornando um levante comunista, envolvendo quase 5 mil figurantes. Todos os excessos desse período histórico parecem ainda mais reais com uma produção desse nível.
2. Cultura e comportamento
O otimismo da Belle Époque acabara de ser frustrado com a Primeira Guerra Mundial, 15 anos antes. Como os países diretamente envolvidos no conflito resolveram reagir com o retorno à paz? Pegando o otimismo, dobrando a aposta e transformando em uma euforia extasiante.
Foi uma época de florescimento das artes, ciências e mudanças comportamentais bruscas, com a Alemanha na vanguarda mundial em todos os campos. Albert Einstein fez suas maiores contribuições para a física neste período. O mundo conheceu a Escola de Bauhaus, cuja marcas na arquitetura e arte modernista são visíveis até hoje. Assim como alguns dos maiores cineastas da história como Fritz Lang e Robert Wiener, por exemplo, que dirigiram clássicos do cinema mudo e influenciam muito da cinegrafia da obra.
No comportamento, as mulheres haviam acabado de ganhar o direito ao voto no país e gozavam de mais liberdade que haviam tido até então. Liberdade que alcançou até mesmo a sexualidade, que passou a ser tratado de uma forma muito mais casual pelas mulheres conhecidas como flappers.
Não só isso, a homossexualidade encontrou um porto seguro e floresceu durante a República de Weimar. Enfim, foi uma época de liberdade sexual que não se via há muito tempo.
A série é muito feliz em reproduzir este momento de efervescência com muita naturalidade, sem jogar na nossa cara que todos esses avanços sociais estavam prestes a sofrer um sangrento revés, poucos anos depois.
Vemos Charlotte Ritter falar sobre sexo, Gereon Rath visitar um bar gay de pessoas trans, práticas de BDSM, pornografia. Tudo aquilo que jamais imaginaríamos que fossem tão disseminados há 90 anos, mas que Babylon Berlin prova que, em Berlim, eram.
3. Trilha sonora
Musicalmente, o nível não é diferente do da direção de arte.
O grande destaque fica, mais uma vez, para as cenas do Moka Efti, que traz performances de todos os gêneros em seus palcos. De Bryan Ferry em pessoa, que assina diversas colaborações na trilha sonora, a extasiante canção e coreografia de Zu Asche, Zu Staub, logo no primeiro episódio.
A canção é interpretada pela lituana Severija que, na série, interpreta a aristocrata russa Svetlana Sorokina. Refugiada na Alemanha após a Revolução de Outubro, a artista também faz jogo duplo como espiã. Ora atuando como trotskista determinada a derrubar a ditadura de Stalin, ora atuando ao lado de forças desestabilizadoras alemãs.
Uma curiosidade é que o score é também assinado por Tom Tykwer, o criador da série, em parceria com Johnny Klimek.
4. Valor histórico
Babylon Berlin é o seriado que todo crackudo de política deveria estar assistindo — especialmente se você, como eu, estiver cansado de acompanhar as trapalhadas da política brasileira.
Tem esquerdistas em suas eternas sub-divisões: sociais-democratas, stalinistas e trotskistas. À direita, o nazismo ainda não deu suas caras mas já podemos ver suas pistas, principalmente entre os militares saudosistas dos tempos de Império e seu nacionalismo anti-semita.
Os meandros e conchavos no alto escalão do governo republicano, tendo que lidar com as diversas crises e conspirações. Empresários metidos na política, como o industrial Fritz Thyssen, retratado na série como Albert Nyssen, e conhecido colaborador do Terceiro Reich nos anos seguintes.
São verdadeiras aulas de história para quem quer entender um pouco mais o ambiente que levou a Alemanha ao abismo fascista para além das respostas prontas e fáceis.
Se até o protagonista Gereon Rath, após resolver o caso original que o enviou para Berlim, fica por lá para entender o que estava motivando tanta instabilidade no governo, quem sou eu para não me empolgar com essa investigação?
5. Polarização política do período
Ainda no aspecto histórico, mas agora linkando ao presente, a polarização daquele período lembra muito o que vemos atualmente em muitos lugares do mundo.

Na Berlim da série, a política é encarada com muita paixão por ambos os lados e ao contrário de muitas obras que também retratam o mundo naquela época, sem aquela atencipação-quase-preomonitória do que estava por vir.
Muito pelo contrário. Os berlinenses festejavam como se não houvesse amanhã, talvez por inocência talvez por proposital alienação. Praticamente uma versão do nosso “quanto pior o mundo, melhor o carnaval”.
E assim, uma sociedade que talvez tenha mudado rápido demais, é confrontada com uma reação forte demais, que ainda não está no escopo da série. Se a cosmopolita, sofisticada e culta Berlim dos anos 20 sofreu disso, a sociedade atual não está imune.
Não está nas pretensões da obra ser uma metáfora, mas acaba servindo de alerta sobre como liberdades conquistadas a custa de muito tempo e luta podem ser cassadas num átimo.
Babylon Berlin está disponível desde janeiro de 2019 no Globo Play. Sua terceira temporada foi confirmada, mas ainda não tem data de estréia.
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